Parlamentares aprovaram projeto que estabelecia a promulgação da Constituição como marco para definir demarcação de terras indígenas. STF já decidiu que a tese é inconstitucional. Bancada ruralista diz que articulará derrubada dos vetos presidenciais

Presidente anunciou veto ao marco temporal após reunião com ministros. — Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou nesta sexta-feira (20) trecho de um projeto de lei que estabelecia a data da promulgação da Constituição, em outubro de 1988, como marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

Ponto a ponto: veja o que Lula vetou e sancionou no projeto do marco temporal
Lula, no entanto, sancionou outros pontos da proposta, aprovada pelo Congresso Nacional em setembro, que definem regras das demarcações. Entre os trechos que Lula sancionou, estão:

a previsão de que o processo de demarcação será público e com atos “amplamente divulgados” e divulgados para consulta online;
a previsão de que qualquer cidadão pode ter acesso às informações relativas a demarcações de terras indígenas, inclusive estudos, laudos, conclusões e argumentações;
o que diz que informações orais citadas no processo de demarcação terão efeito de prova quando apresentadas em audiências públicas ou registradas em áudio e vídeo, com a devida transcrição;
o que estabelece direito das partes interessadas no processo de receber tradução oral ou escrito da língua indígena para o português e vice e versa, por tradutor nomeado pela Funai;
Já entre os trechos vetados estão os que previam a possibilidade de cultivo de produtos transgênicos e de atividade garimpeira em terras indígenas. Também foi vetado, segundo o governo, um ponto que possibilitaria a construção de rodovias em áreas indígenas.


O presidente anunciou que vetou trechos da proposta em uma rede social.

“Vetei hoje vários artigos do Projeto de Lei 2903/2023, ao lado da ministra Sônia Guajajara e dos ministros Alexandre Padilha e Jorge Messias, de acordo com a decisão do Supremo sobre o tema. Vamos dialogar e seguir trabalhando para que tenhamos, como temos hoje, segurança jurídica e também para termos respeito aos direitos dos povos originários”, disse o presidente.
Os vetos terão de ser analisados pelo Congresso Nacional. Em nota divulgada na noite desta sexta-feira, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que defende o marco temporal, afirmou que articulará a derrubada dos vetos.

“A Frente Parlamentar da Agropecuária, bancada temática e suprapartidária, constituída por 303 deputados federais e 50 senadores em exercício, informa que os vetos realizados pela Presidência da República à Lei do Marco Temporal serão objeto de derrubada em Sessão do Congresso Nacional”, diz o comunicado.

“A decisão dos dois plenários [Câmara e Senado] é soberana e deve ser respeitada pelos demais Poderes da República, em reconhecimento às atribuições definidas na Constituição Federal”, completa a FPA.

Indenização


Segundo o Executivo, Lula também vetou trecho que previa que o governo pagaria uma indenização para ocupantes de terras que venham a ser demarcadas como áreas indígenas.


O artigo 11, vetado por Lula, dizia: “Verificada a existência de justo título de propriedade ou de posse em área considerada necessária à reprodução sociocultural da comunidade indígena, a desocupação da área será indenizável, em razão do erro do Estado”.

O pagamento da indenização era uma das principais reivindicações da bancada ruralista. Também foi vetado o trecho que previa indenização pelas benfeitorias feitas nas áreas em disputa.

Uma ala do governo, inclusive, discute a aprovação de um projeto regulamentando a necessidade da União indenizar produtores rurais que perderem suas terras em demarcações de reservas indígenas.

O Ministério Público Federal (MPF) defendia o veto integral ao projeto. A nota, elaborada pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) do MPF, defende que a aplicação da tese do marco temporal não pode ser feita por meio de lei ordinária.

A 6CCR também alegava que a aplicação da tese restringe garantidos aos indígenas em cláusulas pétreas da Constituição e, por isso, não poderiam ser alterados nem mesmo por uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).