Mais da metade dessa população (63,3%) vive fora de terras indígenas. Estima-se que entre 600 e 700 mil indígenas estejam fora de seus territórios de origem por falta de políticas públicas estruturantes, acesso à terra, saúde, educação e proteção ambiental.

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Segundo o Censo 2022, 1.693.535 pessoas no Brasil se declararam indígenas. Esse dado representa um marco na história recente, pois aponta um crescimento expressivo da autoidentificação indígena em meio a séculos de negação e tentativa de apagamento. Porém, para além dos números, a realidade por trás das estatísticas revela contradições, retrocessos e a urgente necessidade de políticas públicas específicas e diferenciadas. O Censo incluiu tanto os que declararam cor/raça indígena, quanto aqueles que, mesmo se identificando de outras formas racialmente, se reconhecem como indígenas o que revela a complexidade da identidade indígena no Brasil.

Mais da metade dessa população (63,3%) vive fora de terras indígenas. Estima-se que entre 600 e 700 mil indígenas estejam fora de seus territórios de origem por falta de políticas públicas estruturantes, acesso à terra, saúde, educação e proteção ambiental. Muitos foram literalmente expulsos pelo abandono do Estado ou por políticas de “integração forçada”, que seguem — de forma disfarçada — sendo aplicadas até hoje.

A política de desterritorialização, iniciada durante o regime militar e reforçada por governos subsequentes, violou o direito sagrado à terra tradicionalmente ocupada. Ainda que a Constituição de 1988 tenha sido um marco ao reconhecer os direitos originários dos povos indígenas, setores retrógrados do legislativo e do executivo seguem sustentando uma agenda integracionista, com forte influência da bancada ruralista — que vê nas terras indígenas uma “reserva de mercado”.

O paradoxo é que grande parte dessas terras que despertam cobiça são Áreas de Preservação Permanente (APPs), protegidas pelo uso tradicional indígena. Somos, enquanto povos originários, os guardiões das florestas, da biodiversidade e das riquezas do subsolo, mas continuamos sendo tratados como obstáculos ao “progresso” predatório.

No Judiciário, o cenário não é diferente. A lentidão no reconhecimento de direitos indígenas está ligada à ausência de cátedras de Direito Indigenista nas faculdades. Os operadores do Direito são formados sem compreender o pluralismo jurídico assegurado pela Constituição — que inclui o Direito Consuetudinário Indígena, reconhecido em tratados e pactos internacionais ratificados pelo Brasil.

Normas importantes, como a Convenção 169 da OIT, a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e até mesmo legislações nacionais como a Lei 5.371/67, que criou a FUNAI, muitas vezes são ignoradas ou tratadas como “letra morta”. Esta lei, vale lembrar, estabelecia que a FUNAI deveria prestar assistência integral aos indígenas, e não apenas realizar mediações burocráticas.

A boa notícia é que, mesmo com os retrocessos, o número de indígenas cresce: projeções apontam que já somos mais de 2 milhões. A juventude indígena vem ocupando espaços, reconstituindo identidades, fortalecendo línguas, territórios e práticas ancestrais. A idade mediana da população indígena no Brasil é de 25 anos, revelando que somos um povo jovem, vivo e em luta.

Por isso, mais do que comemorar os números, exigimos do Estado brasileiro o reconhecimento pleno de nossos direitos, a criação de um Parlamento Indígena e a efetivação do pluralismo jurídico. Nossa luta é pela vida, pela terra, pela memória e pelo futuro.

Wilson Matos da Silva – É Indígena, Advogado Criminalista OABMS 10.689, especialista em Direito Constitucional, é Jornalista DRT 773MS. residente na Aldeia Jaguapiru – Dourados MS. nosliwsotam@gmail.com