Por: Wilson Matos da Silva

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No plano constitucional, merecem destaque alguns dispositivos fundamentais:

  • Artigo 49, XVI – atribui ao Congresso Nacional a competência exclusiva para autorizar a exploração de recursos hídricos e minerais em terras indígenas, garantindo que decisões estratégicas sobre territórios não fiquem sujeitas apenas ao mercado, mas passem por instância política e deliberativa.
  • Artigo 109, XI – confere à Justiça Federal a competência para julgar disputas envolvendo direitos indígenas, reconhecendo a especificidade dessas questões e a necessidade de tratamento especializado.
  • Artigo 210, § 2º – assegura o direito dos povos indígenas de utilizarem suas línguas maternas e métodos próprios de ensino, reconhecendo a educação como espaço de resistência e afirmação cultural.
  • Artigo 176, § 1º – exige lei ordinária para disciplinar a exploração mineral em terras indígenas, reforçando a necessidade de processo legislativo próprio e diálogo com as comunidades afetadas.
  • Artigo 207 – garante a autonomia universitária, princípio que se aplica igualmente às universidades indígenas, permitindo-lhes desenvolver projetos pedagógicos vinculados aos seus modos de ser (nhande reko).

Esses dispositivos dialogam diretamente com as normas internacionais que o Brasil ratificou ou aderiu, como:

  • a Convenção 169 da OIT (1989), que consagra o direito à consulta livre, prévia e informada, sempre que medidas administrativas ou legislativas possam afetar povos indígenas;
  • a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), que reconhece o direito à autodeterminação, ao controle de territórios, à preservação das línguas e ao fortalecimento das instituições próprias;
  • a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2016), aprovada no âmbito da OEA, que reforça a proteção aos direitos coletivos e à soberania cultural dos povos indígenas das Américas.

O desafio contemporâneo, portanto, é transformar a normatividade protetiva em realidade concreta. Isso exige políticas públicas eficazes, respeito institucional, acesso qualificado à Justiça e, sobretudo, uma mudança de mentalidade da sociedade brasileira em relação aos povos indígenas.

No entanto, a existência de um aparato jurídico sólido não elimina o paradoxo da efetividade. Embora a Constituição e os tratados internacionais estabeleçam garantias avançadas, a realidade das comunidades indígenas continua marcada por violações de direitos, disputas territoriais, projetos de exploração econômica que desconsideram a consulta prévia, e obstáculos para a implementação de modelos próprios de educação e de gestão universitária.

Mais do que um compromisso jurídico, trata-se de um imperativo ético e histórico: reparar séculos de exclusão, valorizar a diversidade cultural e reconhecer que os povos indígenas não são vestígios de um passado remoto, mas protagonistas vivos de um presente plural e de um futuro possível.

* É Índio, Advogado OAB 10.689 e jornalista SRTE 773/MS, pós-graduado em Direito Constitucional, Coordenador Regional do ODIN/MS (Observatório Nacional de Direitos Indígenas) E-mail nosliwsotam@gmail.com