Ídolo dos dois times, centroavante explodiu no Flamengo na década de 1960 e se tornou no Racing o único brasileiro a ser artilheiro do campeonato argentino; conheça a história.

Foi assim que Nelson Rodrigues descreveu Walter Machado da Silva em uma de suas crônicas. O centroavante explodiu no Flamengo na década de 1960 e alcançou no Racing o feito de ser o único brasileiro a ser artilheiro do campeonato argentino. Ídolo dos dois times que se enfrentarão nesta quarta-feira, pela Libertadores, Silva Batuta faleceu em 2020 conectado ao clube rubro-negro.
Vários clubes, uma paixão
Silva foi um jogador peculiar por ter se tornado ídolo de muitas torcidas e, apesar de elogiado em todos os clubes pelos quais jogou, não foi de criar raízes. O tempo curto, no entanto, não o impediu de deixar marcas por onde passou. E de querer sempre voltar para o Flamengo, time que o cativou.
No Flamengo ele fez a história dele, e o clube o abraçou. Quando ele parou de jogar, foi treinador e depois funcionário do departamento social. O Flamengo foi como um pai para ele — destacou Wallace Silva, filho de Batuta, em entrevista
O Flamengo foi casa para Wallace e também para o seu irmão, Walter. Ambos seguiram os passos do pai e foram jogadores profissionais de futebol. Formados pelo clube rubro-negro. O centroavante Wallace foi revelado em 1986 e passou por outros times, como Botafogo, Goiás e Sariyer (Turquia) até voltar ao Fla em 1994. O meio-campista Waltinho surgiu na Gávea em 1985 e, posteriormente, fez carreira no Braga, de Portugal.
Quando falo que sou filho do Batuta, as pessoas colocam muitos adjetivos para descrevê-lo. Quando cheguei ao profissional, chegou a cobrança, ainda mais que eu era atacante. O Batuta tinha um estilo muito peculiar, ele aliava força e técnica. Isso é muito difícil de se ver. Um atleta completo. Cabeceava bem, chutava bem de longe e de perto. A cobrança era em cima dessa perfeição dele — recordou Wallace, que hoje trabalha no Sindicato dos Atletas de Futebol do RJ.
— Meu pai foi muito presente, sabia que teríamos cobranças e nos preparou para isso. Ele já tinha passado as dificuldades que nós passaríamos, que são naturais. Chegamos ao Flamengo com 9 anos, eu saí com 20. Passei minha vida toda lá dentro — afirmou Waltinho, que atualmente atua na captação de talentos das escolinhas do Flamengo Brasil afora.
Batuta ganhou o mundo
O impacto foi tão grande que Silva foi convocado para disputar a Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, formando o ataque com Pelé e Jairzinho na derrota por 3 a 1 para Portugal. Ao todo, fez seis jogos e dois gols pela Seleção. No ano seguinte, em 1967, chamou atenção de um dos maiores times do mundo e se transferiu para o Barcelona, que pagou US$ 120 mil pelo passe do jogador.
Na Espanha, o centroavante não se firmou. Além do pouco espaço por problemas no visto de trabalho, Silva contou em sua biografia que foi alvo de racismo na Europa. Quis voltar para o Flamengo, mas o clube não tinha dinheiro para contratá-lo. Foi emprestado, então, ao Santos.
Sem espaço por causa da disputa com Pelé, Silva Batuta foi emprestado ao Flamengo em 1968 e voltou já na condição de ídolo. Ao todo, com a camisa rubro-negra, ele marcou 70 gols em 132 jogos.
— Quando ele veio do Santos, teve um jogo contra o Cruzeiro, a torcida toda no Maracanã cantou quando ele entrou: “Voltei, aqui é o meu lugar, minha emoção é grande, a saudade era maior, e voltei pra ficar”… A música da Mangueira. Ele disse que isso arrebentou com ele. Foi 5 a 1 para o Flamengo, com dois gols dele. Ele nunca esqueceu aquele dia — comentou Waltinho.
Idolatria e recorde na Argentina
Os problemas financeiros impediram mais uma vez que Silva continuasse no Flamengo. Ele teria que voltar ao Barcelona, mas a proposta do Racing o manteve na América do Sul. O interesse surgiu após o atacante brilhar em uma final do Flamengo contra a equipe argentina, em 1968. Ele marcou dois gols na vitória por 3 a 2, garantindo a taça da Copa Mohammed V, no Marrocos.
Diferentemente do que aconteceu em Barcelona, Batuta foi bem recebido em Buenos Aires, muito em função do que mostrou dentro de campo. Machado da Silva, como é conhecido pelos torcedores do Racing, quebrou um recorde do qual ainda é dono, 56 anos depois de ter passado pela Argentina.
— O caso do Machado da Silva foi raro na história do Racing, porque jogou muito pouco, somente um ano, e deixou uma marca muito forte… Me chama atenção quanto foi o passe de Machado da Silva. Racing paga US$ 45 mil e o vende por US$ 60 mil — comentou Fernando Raimondo, historiador do Racing.
“Racing tem memória”.
A frase pintada em um dos muros que cercam o Cilindro não mente. O Racing tem memória e não esquece sua história. Não esqueceu do brasileiro que precisou de um ano para virar eterno.
“Um atacante com excelente técnica, ótimo controle de bola, drible primoroso, um chute certeiro e (apesar de seus 1,73 m de altura) um cabeceio admirável. Além de marcar gols em cobranças de falta, cabeceios e jogadas espetaculares, era um grande assistente para seus companheiros de equipe. Em apenas um ano se transformou em um jogador inesquecível. Dono de técnica requintada, deslumbrante por seus dribles e seu faro de gol”.
É desta forma que Silva é descrito na página de ídolos no site oficial do Racing. Durante seu ano na Academia, disputou 34 partidas e marcou 20 gols. Foi o primeiro, e até hoje único, jogador brasileiro a se tornar artilheiro da primeira divisão argentina. Fez 14 gols em 21 jogos no Torneio Metropolitano.
— Meu pai sempre foi um jogador de grande torcida, de futebol aguerrido. Tinha muita técnica e raça. Deu super certo no futebol argentino. Juntou parte técnica, física, intelectual e ele se preparava muito. O carinho que minha mãe recebeu, a forma como nossa família foi tratada, isso para ele foi especial. Minha mãe falava da Argentina com alegria — contou Waltinho, que completou:
— Os torcedores do Racing estavam no Rio há alguns anos e souberam que o Silva morava aqui. Bateram na nossa casa, meu pai não estava, tive que descer porque eles não abriram mão disso. E fomos bem tratados de novo, comi um churrasco maravilhoso (risos).
Em 1968, ano da última passagem pelo Flamengo antes de se transferir para o Racing, Silva brilhou e marcou 34 gols, número que foi destaque na imprensa argentina. São inúmeros os registros da passagem do brasileiro por Buenos Aires.
